Racionamento de Energia à vista
Nas
hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, responsáveis por 70% da
produção de energia no país, os reservatórios iniciaram 2013 no menor
nível dos últimos 12 anos para o mês de janeiro. Operam, em média, com
apenas 28,9% da capacidade, abaixo do registrado em igual período de
2001, ano em que os brasileiros enfrentaram racionamento. O governo nega
haver risco de o Brasil ter de fazer economia forçada de luz. Mas
empresários e investidores do setor afirmam que o perigo é grande. A
onda de desconfiança derrubou ações das principais empresas do sistema
elétrico na Bovespa.
O risco de o
Brasil decretar um racionamento no consumo de energia elétrica neste
ano, repetindo o desabastecimento de 2001, está cada vez maior. Apesar
de o governo negar qualquer possibilidade de a medida ser anunciada,
empresários e investidores alardearam ontem que, diante dos baixos
níveis dos reservatórios das hidrelétricas e do consumo elevado em dias
de alta temperatura, a capacidade de fornecimento de luz às residências e
às fábricas está no limite.
Com a onda
de desconfiança varrendo o país, as ações das principais empresas do
setor elétrico derreteram na Bolsa de Valores de São Paulo
(BM&FBovespa), que caiu 0,94%. Os papéis preferenciais (PN) da
Eletrobras recuaram 4,72%, e os da Cesp e da Cemig, 3,4% e 3,3%,
respectivamente. O temor foi agravado com a informação de que a fatura
da energia gerada por termelétricas (mais cara), somada ao abastecimento
vindo das hidrelétricas, já se aproxima de R$ 1 bilhão por mês. Ou
seja, a tendência é de a conta de luz ficar mais cara em vez baratear,
como prometeu a presidente Dilma Rousseff.
“As
previsões de chuvas para janeiro apontam volume 30% menor do que o
considerado normal para o mês. Se considerar que as precipitações são
ainda localizadas, fora dos locais ideais para as principais bacias de
rios, a geração hidrelétrica está ameaçada neste ano”, disse Reginaldo
Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de
Energia (Abraceel). Sendo assim, é provável que as usinas térmicas, que
deveriam ser ligadas apenas em momentos de emergência, fiquem acionadas
por todo o ano. Nesse sentido, Medeiros apontou como preocupação ainda
maior outro fator inesperado: dos 20 gigawatts (GW) de potência térmica
que deveriam ser entregues em 2013, só 13 GW vingaram. Essa diferença
representa as usinas contratadas em leilões de 2008 e não concluídas
pelos empreendedores.
Flávio
Neiva, presidente da Associação Brasileira de Empresas Geradoras de
Energia Elétrica (Abrage), ressaltou que, caso as chuvas de janeiro não
venham no nível considerado normal, os fornecedores serão forçados a
“acender o sinal amarelo” perante o risco de racionamento, informado
pelo Correio na edição de 24 de novembro de 2012. No entender dele, se o
Sudeste — onde estão os maiores consumidores e o calor tem sido
implacável — apresentar volume nos reservatórios das usinas abaixo do
recomendável, será necessária a adoção, pelo governo, de medidas
adicionais de segurança, como a adoção de térmicas de geração ainda mais
caras.
Segundo
Neiva, o primeiro trimestre concentra as chuvas, o que pode até fazer as
térmicas voltarem ao seu emprego mínimo a partir de abril, na melhor da
hipóteses. Mas nada garante que isso ocorrerá. “A sorte do país é que a
economia não está crescendo ao ritmo de 4%, como apostava o Ministério
da Fazenda. Se considerar que a demanda de eletricidade avança a um
ritmo uma vez e meia maior que o PIB, uma expansão mais forte da
atividade nos deixaria às escuras”, assinalou Walter Fróes, presidente
da comercializadora de energia CMU. Para o professor da Universidade de
São Paulo (USP) Célio Bermann, mais do que o apagão clássico, o maior
risco para o abastecimento continua sendo a fragilidade das redes de
transmissão do país, que carecem de investimentos e manutenção. “O que a
presidente Dilma Rousseff chama de falha humana é o sucateamento de
redes”, ressaltou.
Aperto no bolso
O consenso dos agentes é de que o elevado
custo da geração térmica, cinco vezes e meia ao da hidrelétrica, deverá
esvaziar a promessa do governo de reduzir o valor das contas de luz a
partir de fevereiro, em 20,2%, em média. Enquanto a indústria que compra
energia no mercado livre já sente os efeitos da disparada dos preços, o
mercado cativo dos consumidores residenciais perceberá o impacto no
bolso ao longo do ano, à medida que as revisões tarifárias forem
aprovadas. No caso de Brasília, o preço mais alto chegará em agosto.
Segundo
Neiva, da Abrage, o uso intensivo das usinas térmicas já conspirou
contra os planos da presidente. Nem mesmo a ajuda do Tesouro, estimada
em até R$ 7 bilhões, para arcar com as diferenças das empresas que não
aderiram ao plano de redução das tarifas será suficiente para o agrado
aos consumidores. O diretor executivo da Associação Brasileira das
Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), César de
Barros Pinto, também não vê condições conjunturais para garantir a
redução da conta de luz no patamar prometido, em razão do uso intensivo
de uma energia mais cara, a térmica.
O nível dos
reservatórios das hidrelétricas no Sudeste e do Centro-Oeste,
responsáveis por 70% da capacidade de produção de energia no país, é o
mais baixo dos últimos 12 anos para janeiro: 28,9% do armazenado nos
lagos artificiais. O índice está um pouco abaixo do verificado em igual
mês de 2001, ano em que o então presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) decretou racionamento. No Sul e no Nordeste, o quadro é ainda
pior, sem perspectivas de ficar acima do mínimo razoável, de 30%. Neste
momento, só resta ao Palácio do Planalto rezar para São Pedro evitar o
desabastecimento.
Reunião de emergência
Para mostrar que está agindo, a presidente
Dilma Rousseff convocou uma reunião para as 14h30 de amanhã com todo o
comando do Ministério de Minas e Energia. O Comitê de Monitoramento do
Setor Elétrico (CMSE) contará ainda integrantes do Operador Nacional do
Sistema (ONS), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da
Agência Nacional do Petróleo (ANP), da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), da Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE), Agência
Nacional de Águas (ANA) e do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica
(Cepel).
O ministro
Edison Lobão ressaltou, por meio de nota, que a reunião do CMSE não foi
convocada diretamente pela presidente Dilma e nem tem caráter
emergencial, pois estava prevista no calendário anual do comitê.
Analistas ouvidos pelo Correio discordaram e garantiram que uma reunião
da Câmara de Compensação de Energia Elétrica, marcada para o mesmo dia,
precisou ser adiada em uma semana.
Eles
lembraram ainda que a questão do racionamento gera particular ansiedade
ao Planalto, pois a chamada crise do apagão, ocorrida de 1º de julho de
2001 a 27 de setembro de 2002, foi usada em favor do PT nas campanhas
eleitorais. Além disso, racionamento é a única situação em que a
presidente Dilma admite o termo apagão, fenômeno que afirma ter
sepultado com o modelo implantado por ela há 10 anos, quando era
ministra de Minas e Energia.
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