Abertura de inquérito contra o senador no STF pode criar novo embate entre Judiciário e Legislativo. PMDB providencia blidagem no Senado
O primeiro dia de funcionamento do Congresso neste ano registrou uma
cena constrangedora: na sessão de inauguração da legislatura, o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, seguindo o
protocolo, sentou-se ao lado de Renan Calheiros (PMDB-AL), eleito
presidente do Senado. Em breve, Barbosa poderá ter de participar de uma
decisão sobre o futuro do senador: a Procuradoria-Geral da República acusa Renan
dos crimes de peculato, falsidade ideológica e falsificação de
documentos. Caberá ao tribunal decidir se aceita a denúncia, o que
tornará réu o terceiro homem na linha sucessória da república.
Dada a lentidão do rito judicial, caso o Supremo aceite a denúncia, é
possível que o desfecho do caso só ocorra quando ele já tiver deixado o
posto - foi eleito para um mandato de dois anos, com possibilidade de
reeleição. Porém, ao eleger Renan para presidir o Congresso, os
senadores assumiram também o risco de uma crise institucional entre o
Legislativo e o Judiciário. Por exemplo: em caso de condenação no
Supremo, caberia a Renan Calheiros chancelar a perda de mandato do
senador Renan Calheiros.
No final do ano passado, o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS)
por pouco não causou um embate institucional ao defender que o
Legislativo descumprisse a decisão do Supremo sobre a perda de mandato
de quatro mensaleiros condenados pela corte. Se decidisse tomar um
caminho similar, Renan enfrentaria o STF para defender a si próprio.
O caso que pode opor Renan e Joaquim Barbosa é o mesmo que levou o
peemedebista a renunciar à Presidência do Senado em 2007. Na época, a
jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha fora do
casamento, revelou que a pensão alimentícia
de 12 000 reais mensais era paga por um lobista da empreiteira Mendes
Júnior. Para tentar sustentar que tinha recursos para arcar com a
despesa, o senador alegou que obteve lucro extraordinário com a venda de
bois. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público,
entretanto, concluíram que as transações eram fictícias.
Quase seis anos depois, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, denunciou Renan ao STF, simultaneamente ao retorno do peemedebista ao comando do Senado.
Conselho de Ética - Um segundo caminho para a perda do
mandato do presidente do Senado ocorreia por meio da abertura de um
processo de cassação no Conselho de ética da Casa. A ala "independente"
do Senado, que se uniu em torno da candidatura de Pedro Taques (PDT-MT)
na eleição contra Renan, vai aguardar a decisão do STF sobre o pedido da
Procuradoria-Geral da República para agir. Se o senador se tornar réu
no Supremo, deve também passar a responder a um processo por quebra de
decoro parlamentar.
No Senado, entretanto, a chance de o senador perder o mandato por
decisão dos parlamentares é considerada nula. O PMDB, partido de Renan,
tem direito a cinco das quinze cadeiras do Conselho de Ética. Outras
sete vagas são de partidos aliados, como o PT.
Na composição atual do colegiado, o próprio Renan Calheiros figura como
membro. Além dele, integram a comissão os senadores Eunício Oliveira
(PMDB-CE), Romero Jucá (PMDB-RR), Gim Argello (PTB-DF) e Ciro Nogueira
(PP-PI), todos ligados ao peemedebista. O corregedor do Senado, Vital do
Rêgo (PMDB-PB), outro aliado de Renan, também possui voto no Conselho
de Ética.
O senador Romero Jucá, influente na bancada e integrante da formação
atual do conselho, já afirmou que o PMDB deve ficar no comando do órgão:
"Pela proporcionalidade, a presidência do Conselho de Ética cabe ao
PMDB", afirmou. O interesse é óbvio: proteger Renan Calheiros.
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), integrante da ala "independente", critica
a articulação do PMDB: "Essa é a proporcionalidade de resultado.
Blindar o Conselho de Ética é um mau começo", diz o parlamentar. Ele
pede que o PMDB abra mão do posto - já que não o quis no ano passado
quando Demóstenes Torres enfrentou processo de cassação. No caso de
Demóstenes, a tropa de choque de Renan teve a chance de mostrar seu
poder de investigação: no sorteio para a relatoria do processo contra o
parlamentar goiano, foram escolhidos Lobão Filho, Gim Argelo, Ciro
Nogueira, Romero Jucá e, curiosamente, o próprio Renan. Todos rejeitaram
a função. O mesmo não ocorreia se o investigado, desta vez, fosse o
novo presidente do Senado.
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